quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O criador soube repetir a imagem da sua própria condição - Albert Camus


Considera-se, muitas vezes, a obra de um criador como uma sequência de testemunhos isolados. Confunde-se então artista e literato. Um pensamento profundo está em perpétua formação, esgota a experiência de uma vida e nela se modela. Do mesmo modo, a criação única de um homem fortifica-se nos seus rostos sucessivos e múltiplos, que são as obras. Umas completam as outras, corrigem-as ou alcançam-as, contradizem-as também. Se alguma coisa termina a criação, não é o grito vitorioso e ilusório do artista, ofuscado: «Disse tudo», mas a morte do criador que fecha a sua experiência e o livro do seu génio.

Esse esforço, esta consciência sobre-humana, não aparece forçosamente ao leitor. Não há mistério na criação humana. É a vontade que faz esse milagre. Em todo o caso, não há verdadeira criação sem segredo. Sem dúvida, uma sequência de obras pode não passar de uma série de aproximações do mesmo pensamento. Mas podemos conceber outra espécie de criadores que procederiam por justaposição. As suas obras podem parecer sem relação entre si. Em certa medida, são contraditórias. Mas, colocadas de novo no seu conjunto, denunciam uma ordem. É, pois, da morte que recebem o seu sentido definitivo. Aceitam a sua luz mais clara da própria vida do seu autor. Nesse momento, a sequência das suas obras não é mais do que uma colecção de fracassos. Mas, se esses fracassos conservam todos a mesma ressonância, o criador soube repetir a imagem da sua própria condição, fazer ressoar o estéril segredo de que é detentor.

Albert Camus

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Super Mario para os corações!

A destruição de tudo - Vergílio Ferreira


É a palavra de ordem para o homem de hoje. Destruir. Tudo. Os deuses, as artes, diferenças culturais, ou a só cultura, diferenças sexuais, diferenças literárias ou a só literatura que leva hoje tudo, valores de qualquer espécie, filosofias, o simples pensamento, a simples palavra - tudo alegremente ao caixote. Entretanto, ou por isso, proliferação das gentes com a forma que lhes pertence, devastação da sida, que foi o que de melhor a natureza arranjou para equilibrar a demografia, droga dura para se avançar na vida mais depressa, criminalidade para esse avanço, juventude de esgotos nocturnos, velhos em excesso e que não há maneira de se despacharem e atulham os chamados lares de idosos ou simplesmente os depósitos em que são largados até mudarem de cemitério, politiqueiros que têm a verdade do erro que se segue e o mais e o mais. É tempo de cair um pedregulho como o que acabou com os dinossauros há sessenta milhões de anos e de poder dar-se a hipótese de a vida recomeçar. Até que venha outra vez a destruição e Deus definitivamente se farte do brinquedo. Entretanto vê se vês ainda alguma flor ao natural e demora-te um pouco a admirar-lhe a beleza e estupidez.

Vergílio Ferreira, in 'Escrever'

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A beleza feminina - Graciliano Ramos

Tão doente quanto as flores mal cheirosas! Na hora em que podia prestar socorro à vida, a beleza feminina não tem argumentos. Não vira bóia que se atira ao náufrago. Já serviu (não serve mais) de recurso retórico para expressar o desejo carnal. Hoje, é foice imantada pelo diabo e afiada pelo espectro da morte. Deixo-me seduzir pelo fio de sua navalha, como quem solta um grito. De redenção!

(Graciliano Ramos)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Noção de tradição - Renata Rosa

"pela tradição dos seus ancestrais, o toque da mão faz a guerra e a paz..."
renata rosa

Despertar - Fernando Cardoso

Torna-se vivo com a paz que surge de um ideal;
Nem sempre convicta, nem sempre sem dor;
será sempre PAZ.

Fernando Cardoso